domingo, 4 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar morreu. Viva Ferreira Gullar!

Ferreira Gullar morreu. Viva o poeta Ferreira Gullar! 
Parafraseando Guimarães Rosa, um poeta não morre, fica encantado. 
A poesia de Ferreira Gullar estará sempre me rodeando.
Quando eu estava no 7º. semestre de Jornalismo, na Faculdade de Comunicação de Santos, da Sociedade Visconde de São Leopoldo, atualmente UniSantos, o antigo prédio da Facos, na Pompeia, era de blocos e concreto aparente. Achávamos que era muito cinza e resolvemos pintar nossa classe. Eu participei da pintura interna e depois escrevi, com tinta amarela, no corredor, na parede externa, ao lado da porta de entrada da sala, um trecho do poema "No Mundo Há Muitas Armadilhas". 
Ferreira Gullar era um homem feio, de cabelo liso e comprido, que soube lidar com o exílio político, com as instabilidades de dois filhos esquizofrênicos. 
Tinha uma mente de vanguarda, mesmo aos 86 anos. A obra de Ferreira Gullar estará sempre comigo. Valeu, poeta!

NO MUNDO HÁ MUITAS ARMADILHAS

No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha
Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)
No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?
Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga
A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.
Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e aguentaras até o fim.
O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje
A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.


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